sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

# 1861 - Os transparentes - Ondjaki

1861
Odonato virou as mãos para si mesmo e falava olhando só para elas - um homem, para falar dele mesmo, fala das coisas do início...como as infâncias e as brincadeiras, as escolas e as meninas, a presença dos tugas e as independências... e depois, coisa de ainda há pouco tempo, veio a falta de emprego, e de tanto procurar e sempre a não encontrar trabalho... um homem para de procurar para ficar em casa e pensar na vida e na família. no alimento da família. para evitar as despesas, come menos... um homem come menos para dar de comer aos filhos, como se fosse um passarinho... e aí vieram as dores de estômago,,, e as dores de dentro, de uma pessoa ver que na crueldade dos dias, se não tem dinheiro, não tem como comer ou levar um filho ao hospital... e os dedos começaram a ficar transparentes... e as veias, e as mãos, os pés, os joelhos... mas a fome foi passando: foi assim que comecei a aceitar as minhas transparências... deixei de ter fome e me sinto cada vez mais leve... estes são os meus dias...
e voltou a olhar cada um dos olhos, incluindo o Cego
- este é o corpo que eu agora tenho

Sem comentários: